16/05/2024 – Em regra, sim.
Em recente julgamento, publicado em abril do ano corrente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenou empresa aérea a indenizar seu empregado por ter sido vítima de agressão física por cliente.
No caso, as instâncias ordinárias afastaram a responsabilidade sob o fundamento de fato de terceiro, que pode ser causa de rompimento do nexo de causalidade.
No entanto, diversamente, o TST assentou o dever que tem o empregador de assegurar a integridade física e moral de seus empregados em belíssimo voto da lavra do Ministro Maurício Godinho Delgado, relator no caso.
Transcrevemos alguns trechos:
“(…)
A conquista e a afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural – o que se faz, de maneira geral, considerado o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego
O direito à indenização por dano moral encontra amparo no artigo 5º, V e X, da Constituição da República; e no artigo 186 do Código Civil, bem como nos princípios basilares da nova ordem constitucional, mormente naqueles que dizem respeito à proteção da dignidade humana, da inviolabilidade (física e psíquica) do direito à vida, do bem-estar individual (e social), da segurança física e psíquica do indivíduo, além da valorização do trabalho humano.
O patrimônio moral da pessoa humana envolve todos esses bens imateriais, consubstanciados, pela Constituição, em princípios fundamentais. Afrontado esse patrimônio moral, em seu conjunto ou em parte relevante, cabe a indenização por dano moral, deflagrada pela Constituição de 1988.
Observe-se que, no âmbito da relação de emprego, ao tempo em que a ordem jurídica confere ao empregador a larga e impressionante prerrogativa de estruturar, reger, controlar e até punir no espaço do seu empreendimento, também estabelece o contraponto da obrigação de proteger os direitos de personalidade da pessoa humana trabalhadora.
Com efeito, a Constituição de 1988, bem como os influxos do princípio democrático dela decorrentes, impõem a racionalização e civilização do poder empregatício, de forma a se harmonizar à relevância dos princípios, regras e institutos constitucionais que asseguram a tutela aos direitos de personalidade do ser humano partícipe da relação de emprego no polo obreiro.
Na hipótese dos autos, discute-se a responsabilização do empregador por perseguições, ameaças e limitação de uso do banheiro, bem como pela agressão física sofrida pelo Reclamante, seu empregado.
(…)
Por outro lado, referente ao pedido de indenização por danos morais decorrentes da agressão física, a Corte de origem compreendeu que o fato teria sido provocado por ato de terceiro estranho à relação de emprego, razão pela qual manteve a sentença, que indeferiu o pleito.
(…)
Não se aplica a tese do fato de terceiro como excludente de responsabilidade no presente caso, uma vez que o dano foi comprovado, é incontestável, e a caracterização da ofensa não requer prova específica do prejuízo causado. Basta que o desrespeito aos direitos fundamentais protegidos esteja configurado, uma vez que a prática de ato ilícito viola princípios consagrados na Constituição da República.
A agressão física perpetrada pelo cliente contra o empregado, enquanto esse último está desempenhando suas obrigações funcionais, constitui dano moral in re ipsa. Isso significa que o dano está intrinsecamente ligado ao próprio ato ilícito, e seus efeitos são presumidos, dispensando a necessidade de se provar que o sofrimento e o abalo emocional afetaram psicologicamente o empregado agredido.
(…)
A responsabilidade do empregador, no caso concreto, além de ser presumida, decorre da ausência de cuidados adequados e medidas razoáveis para garantir um ambiente de trabalho minimamente seguro. A empresa tem o dever de proteger a dignidade dos trabalhadores, conforme estabelecido no artigo 1º, III, da Constituição Federal, e de implementar meios de segurança que previnam agressões verbais e físicas contra seus empregados e representantes. Isso contribui para reduzir os riscos inerentes a sua atividade empresarial, como estipulado nos artigos 7º, inciso XXII, 200, VIII e 225, § 3º, da Constituição Federal.
Esclareça-se, por oportuno, que a assunção dos riscos do empreendimento ou do trabalho impõe à exclusiva responsabilidade do empregador, em contraponto aos interesses obreiros oriundos do contrato pactuado, os ônus decorrentes de sua atividade empresarial ou até mesmo do contrato empregatício celebrado. Por tal característica e, em suma, o empregador assume os riscos da empresa, do estabelecimento e do próprio contrato de trabalho e sua execução, inclusive o de reparação civil, na forma do artigo 932, III, do Código Civil.
Vale ressaltar que o Brasil como signatário da Convenção Internacional nº 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada em 1992, ratificada em 1994, deve adotar medidas relativas à segurança, à higiene e à proteção do meio ambiente de trabalho. Nessa toada, o artigo 4º, item 2, da referida Convenção:
Artigo4 – 1. Todo Membro deverá, em consulta com as organizações mais representativas de empregadores e de trabalhadores, e levando em conta as condições e as práticas nacionais, formular, pôr em prática e reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio-ambiente de trabalho.
2. Essa política terá como objetivo prevenir os acidentes e os danos à saúde que forem consequência do trabalho tenham relação com a atividade de trabalho, ou se apresentarem durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida que for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio-ambiente de trabalho.
No mesmo passo, o Enunciado 39 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada no Tribunal Superior do Trabalho (TST), estabelece o seguinte:
MEIO AMBIENTE DE TRABALHO. SAÚDE MENTAL. DEVER DO EMPREGADOR. É dever do empregador e do tomador dos serviços zelar por um ambiente de trabalho saudável também no ponto de vista da saúde mental, coibindo práticas tendente sou aptas a gerar danos de natureza moral ou emocional aos seus trabalhadores, passíveis de indenização.
(…)”
Vale ressaltar, por fim, diante do que estabelece Código Civil nos artigos 929 e 930, terá sempre o empregador ação regressiva contra o agente causador direto do dano.
Portanto, tem o empregador o dever de zelar pela integridade de seus empregados também contra agressões de terceiros.
Fonte: site do TST – acórdão na íntegra: PROCESSO Nº TST-RR-697-96.2019.5.10.0019