30/05/2024 – Empreender, montar seu negócio próprio, ser seu próprio patrão, fazer seu próprio horário, enfim, avassaladora a propaganda em todos os tipos de mídia acerca das vantagens de ser empresário de si mesmo.
Nada contra os empreendedores! Ao contrário: talvez só a criatividade e inovação inerentes a tais grupos trarão novas riquezas a serem compartilhadas, em especial, novas relações de trabalho.
Não obstante, muitas vezes, por necessidade e falta de opção (rectius, emprego formal), a pessoa estabelece sua empresa que de fato é ele mesmo, emite seu “CNPJ”, cria sua razão social e inicia a prestação de serviços de modo pessoal, não eventual, com subordinação ao tomador e deste recebendo ordens e, claro, o pagamento.
Enfim, trava-se uma relação em que presentes todos os requisitos de uma relação típica de emprego.
Em tais casos, como bem se sabe, a Justiça do Trabalho, exercendo sua competência constitucional, decretava o arranjo nulo, estabelecendo-se o vínculo de emprego e, bem assim, todas as suas consequências legais.
Claro que a conta vinha alta para o empresário tomador.
Ocorre que, nos últimos anos, a Corte Máxima de nosso país passou a agasalhar teses de que qualquer atividade pode ser terceirizada, inclusive a atividade fim da empresa, declarando inconstitucional entendimento consolidado pela Corte Superior Trabalhista de nosso país e materializada na Súmula 331, I, assim vazada:
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário
Deveras, em 30.8.2018, o Pretório Excelso julgou procedente a Arguição de descumprimento de Preceito Fundamental n. 324/DF, nos termos seguintes:
“Direito Do Trabalho. Arguição De Descumprimento De Preceito Fundamental. Terceirização De Atividade-Fim E De Atividade-Meio. Constitucionalidade. 1. A Constituição não impõe a adoção de um modelo de produção específico, não impede o desenvolvimento de estratégias empresariais flexíveis, tampouco veda a terceirização. Todavia, a jurisprudência trabalhista sobre o tema tem sido oscilante e não estabelece critérios e condições claras e objetivas, que permitam sua adoção com segurança. O direito do trabalho e o sistema sindical precisam se adequar às transformações no mercado de trabalho e na sociedade. 2. A terceirização das atividades-meio ou das atividades-fim de uma empresa tem amparo nos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, que asseguram aos agentes econômicos a liberdade de formular estratégias negociais indutoras de maior eficiência econômica e competitividade. 3. A terceirização não enseja, por si só, precarização do trabalho, violação da dignidade do trabalhador ou desrespeito a direitos previdenciários. É o exercício abusivo da sua contratação que pode produzir tais violações. 4. Para evitar tal exercício abusivo, os princípios que amparam a constitucionalidade da terceirização devem ser compatibilizados com as normas constitucionais de tutela do trabalhador, cabendo à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias (art. 31 da Lei 8.212/1993). 5. A responsabilização subsidiária da tomadora dos serviços pressupõe a sua participação no processo judicial, bem como a sua inclusão no título executivo judicial. 6. Mesmo com a superveniência da Lei 13.467/2017, persiste o objeto da ação, entre outras razões porque, a despeito dela, não foi revogada ou alterada a Súmula 331 do TST, que consolidava o conjunto de decisões da Justiça do Trabalho sobre a matéria, a indicar que o tema continua a demandar a manifestação do Supremo Tribunal Federal a respeito dos aspectos constitucionais da terceirização. Além disso, a aprovação da lei ocorreu após o pedido de inclusão do feito em pauta. 7. Firmo a seguinte tese: 1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993. 8. ADPF julgada procedente para assentar a licitude da terceirização de atividade-fim ou meio. Restou explicitado pela maioria que a decisão não afeta automaticamente decisões transitadas em julgado” (DJe 6.9.2019).
No mesmo ano de 2018, ao julgar o Recurso Extraordinário n. 958.252, Tema 725 da repercussão geral, o Plenário do Supremo Tribunal firmou a seguinte tese jurídica:
“É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante” (DJe 13.9.2019).
E disso surgiram decisões cassando vínculos de emprego reconhecidos pela Justiça do Trabalho em casos clássicos de “pejotização”, como se depreende dos seguintes exemplos:
“CONSTITUCIONAL, TRABALHISTA E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. OFENSA AO QUE DECIDIDO POR ESTE TRIBUNAL NO JULGAMENTO DA ADPF 324 E DO TEMA 725 DA REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO PROVIDO. 1. A controvérsia, nestes autos, é comum tanto ao decidido no julgamento da ADPF 324 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO), quanto ao objeto de análise do Tema 725 (RE 958.252, Rel. Min. LUIZ FUX), em que esta CORTE fixou tese no sentido de que: ‘É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante’. 2. A Primeira Turma já decidiu, em caso análogo, ser lícita a terceirização por ‘pejotização’, não havendo falar em irregularidade na contratação de pessoa jurídica formada por profissionais liberais para prestar serviços terceirizados na atividade-fim da contratante (Rcl 39.351 AgR; Rel. Min. ROSA WEBER, Red. p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 11/5/2020). 3. Recurso de Agravo ao qual se dá provimento” (DJe 7.4.2022)”
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RECLAMAÇÃO. SUSCITADA CONTRARIEDADE À DECISÃO PROFERIDA NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 958.252, TEMA 725. AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DE INSTÂNCIA NA ORIGEM. DESCUMPRIMENTO AO DECIDIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL N. 324/DF, NA AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE N. 48 E NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 5.625. PRECEDENTES. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. (Rcl 63.380/SP; Rel. Min. Carmen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 28/10/2023)
Especificamente neste último julgado, o Tribunal Regional da Segunda Região, entendeu, a partir da moldura fática ali estampada, haver sim uma relação de emprego, o que, mesmo assim, não sensibilizou o STF, que determinou a cassação do vínculo.
Em conclusão, parece que não se tem respeitada a competência constitucional da Justiça do Trabalho para se declarar o que é uma relação de emprego (artigo 114, inciso I, da CF/88), e, ainda, o princípio da primazia da realidade, muito caro ao direito do trabalho, relegado a segundo plano, prevalecendo o formalismo.