30/07/2024 – Por certo, e com fundamento no princípio da boa-fé objetiva, as partes de uma relação contratual devem proceder com probidade e boa-fé em todas as fases da celebração de um contrato (artigo 422 do CC).
Assim, se o empregador deixa de efetuar contratação de empregado por conta de puro preconceito, tem-se violado tal princípio e, sem dúvida, no mínimo, o patrimônio moral da vítima.
Assim, exsurge o direito de ser indenizado moral e materialmente.
Por ora, tratando apenas das indenizações por danos morais, o valor deve observar duplo aspecto: “compensar” a dor do ofendido e punir o infrator.
Com base nisso, o Tribunal Superior do Trabalho elevou a condenação imposta a CVC Brasil Operadora e Agência de Viagens S.A. e RRBI Tour Viagens Ltda. , arbitrada em torno de R$6000,00 pelo Tribunal Regional da 12 Região (SC) de R$6.000,00 para R$18.500,00, tudo porque referidas empresas desistiram de recontratar uma agente de viagens simplesmente por ter informado estar grávida.
Eis o teor da ementa do julgado:
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. CONDUTA DISCRIMINATÓRIA. GESTANTE. LIMITAÇÃO DO ACESSO AO EMPREGO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VALOR INDENIZATÓRIO. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação do art. 5º, X, da CF, suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido.
B) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017. CONDUTA DISCRIMINATÓRIA. GESTANTE. LIMITAÇÃO DO ACESSO AO EMPREGO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VALOR INDENIZATÓRIO. É incontroversa, na presente hipótese, a conduta discriminatória praticada pela 1ª Reclamada, na fase pré-contratual, ao recusar a contratação da Reclamante em razão de seu estado gravídico. A Constituição de 1988 proibiu a discriminação em qualquer contexto da sociedade e do Estado brasileiros. Há exponenciais princípios e regras constitucionais da não discriminação na ordem jurídica do Brasil. Ver a respeito a força normativa nesta direção do Preâmbulo do Texto Máximo; do art. 1º, III; do art. 3º, I e IV; do art. 5º, caput e inciso I; e, finalmente, do art. 5º, III, in fine, todos da Constituição da República. A discriminação, como se percebe, é afronta direta à dignidade da pessoa humana. No âmbito empregatício, além da incidência desse princípio e regra gerais fixados amplamente na Constituição, há regra e princípio específicos, na mesma direção, estabelecidos no art. 7º, XXX, XXXI e XXXII. Discriminação é a conduta pela qual se nega à pessoa, em face de critério injustamente desqualificante, tratamento compatível com o padrão jurídico assentado para a situação concreta por ela vivenciada. A causa da discriminação reside, muitas vezes, no cru preconceito, isto é, um juízo sedimentado desqualificador de uma pessoa em virtude de uma sua característica, determinada externamente, e identificadora de um grupo ou segmento mais amplo de indivíduos (são fatores injustamente desqualificantes na ordem constitucional e legal brasileiras, por exemplo: raça ou cor, etnia, sexo ou gênero, nacionalidade, origem, estado civil, deficiência, idade, situação familiar, riqueza, orientação sexual, etc.). Ou, como afirma Ronald Dworkin, do fato de ser “membro de um grupo considerado menos digno de respeito, como grupo, que outros”. Mas a discriminação pode, é óbvio, também derivar de outros fatores relevantes a um determinado caso concreto específico. O combate à discriminação é uma das mais importantes áreas de avanço do Direito característico das modernas democracias ocidentais. Também o Direito do Trabalho tem absorvido essa moderna vertente de evolução da cultura e prática jurídicas. No caso brasileiro, essa absorção ampliou-se, de modo significativo, apenas após o advento da mais democrática carta de direitos já insculpida na história política do País, a Constituição da República de 1988. A relevância, no Direito atual, do combate antidiscriminatório erigiu ao status de princípio a ideia de não discriminação. O princípio da não discriminação seria, em consequência, a diretriz geral vedatória de tratamento diferenciado à pessoa em virtude de fator injustamente desqualificante. O princípio da não discriminação é princípio de proteção, de resistência, denegatório de conduta que se considera gravemente censurável. Portanto, labora sobre um piso de civilidade que se considera mínimo para a convivência entre as pessoas. Efetivamente, a ordem justrabalhista sempre se caracterizou pela presença de mecanismos de proteção contra a ocorrência de discriminações no contrato de trabalho. Tais mecanismos, entretanto, tendem obviamente a se ampliar à medida que se ampliam as franquias democráticas no conjunto da sociedade política e civil, projetando reflexos na relação de emprego. Nesse quadro, a Constituição de 1988 surgiu como o documento juspolítico mais significativo já elaborado na história do País acerca de mecanismos vedatórios a discriminações no contexto da relação de emprego. A primeira significativa modificação constitucional encontra-se no tocante à situação da mulher trabalhadora. Não obstante os textos constitucionais anteriores vedassem discriminação em função de sexo (isto é, gênero), o fato é que a cultura jurídica prevalecente jamais considerou que semelhante dispositivo tivesse o condão de suprimir condutas tutelares discriminatórias contra a mulher no contexto do mercado de trabalho ou no próprio interior da relação de emprego. A Constituição de 1988, entretanto, firmemente, eliminou do Direito brasileiro qualquer prática discriminatória contra a mulher no contexto empregatício – ou que lhe pudesse restringir o mercado de trabalho –, ainda que justificada a prática jurídica pelo fundamento da proteção e da tutela. Nesse quadro, revogou inclusive alguns dispositivos da CLT que, sob o aparentemente generoso manto tutelar, produziam efeito claramente discriminatório com relação à mulher obreira. Enfatizando ainda sua intenção antidiscriminatória no que tange ao sexo (no sentido de gênero), incorporou esse referencial ao conjunto de parâmetros antidiscriminatórios especificados por seu art. 7º, XXX. Ao lado desse firme comando antidiscriminatório, estipulou a Constituição, em seu art. 7º, XX, a “proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei” (grifos acrescidos). Observe-se que aqui a Constituição permite uma prática diferenciada desde que efetivamente dirigida a proteger (ou ampliar) o mercado de trabalho da mulher. Nesse quadro, em vista de mais um fundamento constitucional, tornam-se inválidas normas jurídicas (ou medidas administrativas ou particulares) que importem em direto ou indireto desestímulo à garantia ou abertura do mercado de trabalho para a mulher. As posteriores Leis n. 9.029/1995 e n. 9.799/1999 vieram acentuar o combate à discriminação da mulher trabalhadora, especificando situações potencialmente verificáveis. O primeiro desses diplomas, em seu texto original (vigente até 4.1.2016), proíbe a “adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade” (art. 1º da Lei n. 9.029/95; grifos acrescidos). Com respeito especificamente à mulher considera também práticas discriminatórias a exigência de declarações, exames e medidas congêneres relativamente a esterilização ou estado de gravidez (art. 2º, Lei n. 9.029/95). Veda, ainda, a lei a indução ou instigamento ao controle de natalidade. A Lei n. 9.799/99, por sua vez, torna expressos parâmetros antidiscriminatórios cujo conteúdo, de certo modo, já poderia ser inferido dos textos normativos preexistentes, em especial da Constituição. Nessa linha, a utilização de referências ou critérios fundados em sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez para fins de anúncios de empregos, de critérios de admissão, remuneração, promoção ou dispensa, para oferta de vagas de formação e aperfeiçoamento profissional e situações trabalhistas congêneres (art. 373-A, CLT, conforme inserção feita pela Lei n. 9.799/99). No plano internacional, destaca-se a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, incorporada no ordenamento jurídico pátrio (Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002), que no seu preâmbulo relembra que “a discriminação contra a mulher viola os princípios da igualdade de direitos e do respeito da dignidade humana, dificulta a participação da mulher nas mesmas condições que o homem, na vida política, social, econômica e cultural de seu país, constitui um obstáculo ao aumento do bem-estar da sociedade e da família e dificulta o pleno desenvolvimento das potencialidades da mulher para prestar serviço a seu país e à humanidade”. Constando do seu artigo 11, item 1, alíneas “a” e “b”, que “os Estados-Partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera do emprego a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, os mesmos direitos, em particular: a) O direito ao trabalho como direito inalienável de todo o ser humano; b) O direito às mesmas oportunidades de emprego, inclusive a aplicação dos mesmos critérios de seleção em questões de emprego;“. Lamentavelmente, na realidade brasileira, não obstante as proteções jurídicas antidiscriminatórias, a discriminação negativa em seus vários matizes, inclusive em relação à mulher gestante – caso dos presentes autos –, ainda gera elevado nível de tolerância a certos tipos de práticas discriminatórias envolvendo as relações de trabalho, incluindo, as fases de celebração e término do contrato de trabalho. Assim, não sendo, consistente, justificada, lícita a diferenciação, desponta a ofensa ao princípio e às regras antidiscriminatórias, incidindo o dever de reparação (art. 5º, V e X, CF/88; art. 186, CCB/2002). Na presente hipótese, conforme consignado no acórdão regional, resultou comprovada a discriminação da Reclamante ao acesso ao emprego, em virtude de seu estado gravídico. Em relação ao valor da indenização, a Corte Regional reformou a sentença para reduzir o valor da indenização por danos morais de R$18.500,00, para R$6.000,00. A jurisprudência desta corte vem se direcionando no sentido de rever o valor fixado nas instâncias ordinárias a título de indenização apenas para reprimir valores estratosféricos ou excessivamente módicos. Esclarece-se que o Julgador deve lançar mão do princípio da razoabilidade, cujo corolário é o princípio da proporcionalidade, pelo qual se estabelece a relação de equivalência entre a gravidade da lesão e o valor monetário da indenização imposta, de modo que possa propiciar a certeza de que o ato ofensor não fique impune e servir de desestímulo a práticas inadequadas aos parâmetros da lei. Pontue-se que a Lei n. 13.467/2017, vigente a partir de 11.11.17, buscou regular os danos extrapatrimoniais e sua reparação nas relações de trabalho, por meio da inserção do novo Título II-A na CLT (“Do Dano Extrapatrimonial”), composto pelos arts. 223-A até 223-G. A interpretação das regras fixadas no novo Título II-A da CLT, integrado pelos arts. 223-A até 223-G, não pode ser, naturalmente, meramente literalista, devendo observar, sem dúvida, os métodos científicos de interpretação jurídica, tais como o lógico-racional, o sistemático e o método teleológico. Dessa maneira, será possível se harmonizarem os preceitos inseridos, em dezembro de 2017, na CLT com o conjunto jurídico mais amplo, inclusive estampado na Constituição da República, nos diplomas internacionais sobre Direitos Humanos subscritos pelo Brasil (e que aqui ingressam com status de norma supralegal) e nos demais diplomas normativos que regulam a matéria, sejam situados dentro do Direito do Trabalho (como, por exemplo, as Leis nos. 9.029/1995 e 9.799/1999), sejam situados fora do Direito do Trabalho (Código Civil de 2002, por exemplo), porém aplicáveis à regência dos danos morais, inclusive estéticos, e, nessa medida, às relações trabalhistas. A ideia de juízo de equidade para a aferição do dano e fixação da correspondente reparação consta, em parte, do novo texto legal. Dessa maneira, os 12 elementos a serem considerados pelo Magistrado ao apreciar o pedido (especificados no art. 223-G, caput e incisos I até XII, da CLT) direcionam-se à formação do juízo de equidade próprio ao julgamento desse tipo de litígio e pleito judiciais. Nesse aspecto, saliente-se que, em relação aos parâmetros para a fixação do quantum indenizatório dos danos extrapatrimoniais, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 6050, da relatoria do Min. Gilmar Mendes, firmou o entendimento de que “os critérios de quantificação de reparação por dano extrapatrimonial previstos no art. 223-G, caput e §1º, da CLT deverão ser observados pelo julgador como critérios orientativos de fundamentação da decisão judicial“. Assentando ainda a Suprema Corte que é constitucional “o arbitramento judicial do dano em valores superior aos limites máximos dispostos nos incisos I a IV do § 1º do art. 223-G, quando consideradas as circunstâncias do caso concreto e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade“. No caso em exame, considerando os elementos expostos no acórdão regional, tais como a conduta discriminatória praticada pela 1ª Reclamada (limitação do acesso ao emprego da Reclamante em razão de seu estado gravídico), o dano, o grau de culpa do ofensor, a condição econômica das Partes, além do não enriquecimento indevido da Obreira e do caráter pedagógico da medida, entende-se que o montante arbitrado pelo Tribunal Regional (R$6.000,00) mostra-se excessivamente módico. Nesse contexto, merece reforma a decisão recorrida para majorar o quantum indenizatório, para R$18.000,00 (dezoito mil reais), quantia que se revela mais adequada e proporcional para reparar o dano moral sofrido, já considerando as particularidades do caso concreto. Recurso de revista conhecido e provido.
Fonte: site do TST. Processo: RR-1227-28.2019.5.12.0025