Direito do Trabalho: Muito se fala acerca do princípio da isonomia nas relações de trabalho, porém, pouco ou nada acerca de um fator muito utilizado, equivocadamente, como fundamento para o afastar em casos concretos: o fator tempo!
Vamos começar com a definição do próprio fator tempo: o que é o tempo?
Com uma simples busca no google, temos a seguinte definição:
1. duração relativa das coisas que cria no ser humano a ideia de presente, passado e futuro; período contínuo no qual os eventos se sucedem.
2. determinado período considerado em relação aos acontecimentos nele ocorridos; época.
Por mais simples e óbvia que seja a definição, não podemos deixar de sentir o enorme poder que tem o tempo sobre todos nós e o próprio universo!
Na verdade, sem o tempo, qual seria nossa referência? Que sentido fariam os acontecimentos para todos nós sem que os colocássemos no exato momento em que transcorreram?
Todo este poder que o tempo tem, no entanto, acaba ofuscando uma característica sua por excelência dentro das relações jurídicas, qual seja, a sua neutralidade!
Isso mesmo: a sua irrelevância para se aferir tratamentos isonômicos desuniformes.
Então porque até o século XIX nossa sociedade era escravocrata podemos afirmar ter sido o tempo que trouxe a certeza da necessidade de isonomia entre seres humanos?
Teria sido o tempo então fator determinante para se estabelecer a igualdade e, consequentemente, a liberdade dos escravos?
É realmente interessante vislumbrar-se o erro de se atribuir ao tempo fator de influência sobre o que é igual ou não, como se as coisas tivessem dentro de si o tempo, e não elas próprias inseridas no tempo…
Para nos situar em termos relativamente recentes, a partir do movimento dos direitos civis na segunda metade do século passado, verificou-se o quanto regras e leis anacrônicas precisavam ser questionadas, combatidas e extirpadas, ou deveríamos pensar ser justificável cartazes como “Negroes and Dogs Not Allowed”, “White Forward, Colored Rear” porque pertencentes a uma época anterior ao movimento que mudou o mundo?
Não se pretende aqui, obviamente, diminuir a importância de toda e qualquer luta pela igualdade, ao contrário, pessoas como Rosa Parks, Martin Luther King Junior, Chico Mendes, Dorothy Stang, Betinho, entre outros, em suas lutas e atitudes, sempre fizeram transparecer na prática a neutralidade do fator tempo para fins de que situações extremamente injustas deixassem de existir…
Mas o que tudo isso tem que ver com a isonomia funcional nas relações de trabalho?
Mais do que se imagina!
Imaginemos três trabalhadores de uma mesma empresa, Tício, Mévio e Abraão, todos contratados no mesmo dia; eis que Tício atinge certo requisito objetivo criado pelo próprio empregador, seja lá qual seja, sendo irrelevante desde que não ofenda nosso ordenamento jurídico, passando a ser contemplado com uma gratificação adicional calculada com base em seu salário.
Depois de um mês, Mévio também preenche o requisito e passa a ser também contemplado.
No entanto, Abraão só vem atingir o requisito 12 (doze) meses depois de Mévio, e, para sua surpresa, é-lhe negada a gratificação!
Naturalmente inconformado, questiona seu empregador, que responde: “não se trata da mesma época e, ademais, concedi outrora por mera liberalidade!”.
Por ora, para combater apenas a primeira parte da resposta dada pelo empregador – de que não se trataria da mesma época – , recorremos ao escólio de Celso Antônio Bandeira de Mello acerca do tempo para fins de isonomia de tratamento, a saber:
“Tempo, só por só, é elemento neutro, condição do pensamento humano e por sua neutralidade absoluta, a dizer, porque em nada diferencia os seres ou situações, jamais pode ser tomado como o fator em que se assenta algum tratamento jurídico desuniforme, sob pena de violência à regra da isonomia.
(…)
Portanto, se a lei confere benefício a alguns que exercem tais ou quais cargos, funções, atos, comportamentos, em passado próximo e os nega aos que exerceram em passado mais remoto (ou vice-versa) estará delirando do preceito isonômico, a menos que existam, nos próprios atos ou fatos, elementos, circunstâncias, aspectos relevantes em si mesmos, que os hajam tornado distintos quando sucedidos em momentos diferentes.” (MELLO. Celso Antônio Bandeira. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo: Malheiros Editores. 3ª edição. 20º tiragem. p. 32 e 34)
Aliás, nessa perspectiva temporal é que também se extrai a força do ainda vigente – até quando? – artigo 468 da CLT, in verbis:
Art. 468 – Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
Nota-se no dispositivo legal de nossa tão atacada Consolidação a intenção de preservar no tempo regras que aderiram ao contrato do trabalhador e que, conseguintemente, se alteradas, atentariam contra o preceito isonômico.
Nessa mesma toada, o entendimento sumulado no verbete de número 51, item I, do C. TST, assim vazado:
“I – As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento;”
Com efeito, o tempo, em si mesmo considerado, não pode jamais ser óbice para fins de se afastar direito concedido outrora sob idêntico requisito ou critério, ao contrário, se apenas o tempo for invocado pelo empregador como escusa para justificar o discrímen, haverá aí delírio ao preceito isonômico.
Mas o que dizer acerca da segunda parte da resposta do empregador de que o pagamento se deu por mera liberalidade?
Deixemos esse aspecto para um próximo artigo!
(Paulo Eduardo Giovannini é advogado, sócio do escritório Giovannini Advogados e dedica este artigo a Daniele Rocha Teti Giovannini, sua esposa, que sempre achou essa questão do tempo linda e misteriosa…)