Direito do Trabalho: Não é raro tomar ciência de sentenças, na Justiça do Trabalho, com pedido de dano moral por assédio julgado procedente, todavia, com o “quantum” (valor arbitrado) que não leva em conta questões relacionadas à condição da mulher no mercado de trabalho.
Os debates em torno da perspectiva do trabalho da mulher é recente e, apesar da lesgilação ser protetiva, dificilmente a questão de gênero é levada em conta quando é proferido o julgamento, tendo em vista a evidente preocupação do julgador quanto à imparcialidade.`
Não por outra razão, foi publicada a Portaria 27 do CNJ, que instituiu o Protocolo de julgamento com perspectiva de gênero, com o inuito de “orientar a magistratura no julgamento de casos concretos, de modo que magistradas e magistrados julguem sob a lente de gênero, avançando na efetivação da igualdade e nas políticas de equidade” (fl. 14), evitando avaliações baseadas em estereótipos e preconceitos existentes na sociedade e promovendo postura ativa de desconstrução e superação de desigualdades históricas e de discriminação de gênero.
Tal documento se propõe a traçar uma espécie de passo a passo com o escopo de “julgar com atenção às desigualdades e com a finalidade de neutralizá-las, buscando o alcance de uma igualdade substantiva” (fl. 14).
À fl. 30 do documento se chama a atenção do julgador para a atenta análise aos esteriótipos de gênero:
“Em razão das problemáticas aqui expostas, é de extrema importância que magistradas e magistrados estejam atentos à presença de estereótipos e adotem uma postura ativa em sua desconstrução. Isso passa por:
Sendo assim, e salvo melhor juízo, necessário que o julgador muitas vezes se abstenha de insistir com perguntas que eventualmente reforcem esteriótipos preconceituosos, os quais, evidentemente, reduzem a dignidade da mulher trabalhadora.
A partir da divulgação da Recomendação ora tratada, é de se esperar que o julgador se atente para a origem do dano, eis que quando praticado em face da mulher, usando de esteriótipos que a diminuem profissional e socialmente, a fim de que suposta imparcialidade não tenha como consequência, a parcialidade, tal como se conclui da leitura da fl. 36:
“Agir de forma supostamente neutra, nesse caso, acaba por desafiar o comando da imparcialidade. A aplicação de normas que perpetuam estereótipos e preconceitos, assim como a interpretação enviesada de normas supostamente neutras ou que geram impactos diferenciados entre os diversos segmentos da sociedade, acabam por reproduzir discriminação e violência, contrariando o princípio constitucional da igualdade e da não discriminação.
A ideia de que há neutralidade nos julgamentos informados pela universalidade dos sujeitos é suficiente para gerar parcialidade.
Um julgamento imparcial pressupõe, assim, uma postura ativa de desconstrução e superação dos vieses e uma busca por decisões que levem em conta as diferenças e desigualdades históricas, fundamental para eliminar todas as formas de discriminação contra a mulher.”
Suponha que num dado caso concreto, o empregador determina que suas empregadas se vistam de forma a atrair o olhar masculino a fim de fomentar suas vendas, ou seja, ele estimula a possibilidade se assédio sexual no ambiente de trabalho, de modo que é inconteste que se está diante da chamada violência de gênero – de cunho sexual, moral e institucional (fls. 30 a 32):
Violência Sexual: Investidas sexuais (de cunho explicitamente sexual ou não) não consensuais. As condutas incluem: estupro (individual, coletivo, corretivo, de adultos ou de vulneráveis), importunação sexual, assédio sexual no ambiente de trabalho, prostituição forçada, exploração sexual, pornografia de vingança. As condutas incluem: penetrar, coagir à prática de outros atos sexuais, tocar, abraçar, beijar, expor órgãos sexuais, ejacular, fazer comentários de cunho sexual, encarar, enviar fotos e/ou conteúdos não solicitados de cunho sexual através de redes sociais.
Violência Moral: Diminuição da figura da mulher perante a sociedade ou grupos de amigos, tentativa de desvalorizar o comportamento da mulher em processos relativos ao direito de família para obtenção da guarda dos filhos; pornografia de vingança.
Violência Institucional: Violências praticadas por instituições, como empresas (ignorar ou minimizar denúncias de assédio sexual), instituições de ensino (permitir atividades sexistas, como trotes e/ou músicas machistas), Poder Judiciário (expor ou permitir a exposição e levar em consideração a vida sexual pregressa de uma vítima de estupro, taxar uma mulher de vingativa ou ressentida em disputas envolvendo alienação parental ou divórcio).
A partir da fl. 102 da Recomendação, a atenção se volta para o passo a passo no âmbito da Justiça do Trabalho, tal como se depreende do trecho abaixo (fl. 114):
“O ambiente de trabalho pode ser hostil em termos de gênero. (…) Na atuação judicial com perspectiva de gênero, é recomendável lembrar que a ocorrência da violência ou do assédio normalmente se dá de forma clandestina, o que pode ensejar uma readequação da distribuição do ônus probatório, bem como a consideração do depoimento pessoal da vítima e da relevância de prova indiciária e indireta.
Atenção: Algumas reflexões podem auxiliar na análise do caso concreto sob as lentes do gênero:
Nessa medida, não basta que o julgador profira sentença procedente, necessário que o valo arbitrado, além de proporcional e razoável, deva atender ao dois efeitos – o punitivo e o satisfativo, de modo que ambos sejam considerados na fixação do “quantum” indenizatório.
Além disso, necessário que julgue e arbitre o “quantum” sob a da perspectiva de gênero, majorando-o por esta razão específica, com o intuito de inibir a prática de violências contra a mulher no mercado de trabalho, tudo nos termos dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, dos artigos 5º, I, X, CF, artigos 186 e 927 do Código Civil, artigo 223-A da CLT e sob o viés do protocolo de julgamento com perspectiva de gênero (Portaria 27/2021 do Conselho Nacional de Justiça.
Link do Protocolo: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/10/protocolo-para-julgamento-com-perspectiva-de-genero-cnj-24-03-2022.pdf.