Direito do Trabalho: Recentemente, num julgamento de Recurso Repetitivo[1], o Tribunal Superior do Trabalho alterou a redação de sua Orientação Jurisprudencial n° 394 da SBDI-I para a seguinte:
“REPOUSO SEMANAL REMUNERADO. INTEGRAÇÃO DAS HORAS EXTRAS. REPERCUSSÃO NO CÁLCULO DAS FÉRIAS, DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO, AVISO PRÉVIO E DEPÓSITOS DO FGTS.
I – A majoração do valor do repouso semanal remunerado, decorrente da integração das horas extras habituais, deve repercutir no cálculo, efetuado pelo empregador, das demais parcelas que têm como base de cálculo o salário, não se cogitando de bis in idem por sua incidência no cálculo das férias, da gratificação natalina, do aviso prévio e do FGTS;
II – O item I será aplicado às horas extras trabalhadas a partir de 20/3/2023.”
Antes de tudo, tem-se a modulação para que tal se aplique apenas a partir de 20/03/2023, o que é um alento para os empregadores.
Por outro lado, a partir de agora, a folha de pagamento passa a sentir em maior grau o que se conhece por efeito expansionista circular dos salários.
A questão teve início a partir de um confronto entre a Súmula 19 do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, que determinava a repercussão da majoração dos repousos em razão da integração das horas extras em verbas que compõem o salário, e a redação anterior da orientação referida, a qual rechaçava a ocorrência fundada em hipótese de bis in idem.
Restou então os TST enfrentar a questão: a majoração dos repousos semanais em razão da integração das horas extras deve ou não repercutir no cálculo do espectro salarial? Estaria havendo, se assim feito, bis in idem?
A conclusão prevalecente foi a de que valores reflexos não conservam a natureza da verba que os gerou, e, assim, não há que se falar em bis in idem.
Vale transcrever decisão do Ministro Vieira de Mello Filho que ressalvou seu entendimento quando a orientação hoje superada se formou:
“A partir do momento em que as horas extraordinárias refletem no repouso semanal remunerado, essa parcela perde a sua natureza jurídica de remuneração do trabalho extraordinário e passa a ser tratada como diferenças de repouso semanal remunerado. São estas diferenças de repouso, que não se confundem com as horas extraordinárias originais, que, por sua vez, repercutirão, por força de lei, no cálculo das férias, 13º salário, aviso prévio e FGTS.” (TST-E-ED-RR-4900-20.2001.5.02.0031, SbDI-1, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT de 30/03/2010)
Tal colocação na verdade traduz o chamado “efeito expansionista circular dos salários”, que nada mais é que a “aptidão de produzir repercussões sobre outas parcelas de cunho trabalhista e, até mesmo, de outra natureza, como, ilustradamente, previdenciária”[2].
Esse fenômeno pode induzir – como de fato induziu – a falsas premissas ou noções atinentes a fazer crer estar havendo duplicidade (bis in idem), quando, na verdade, encerra apenas reflexos sucessivos próprios e lícitos de verbas do espectro salarial.
Vale ilustrar com o seguinte exemplo retirado do v. acórdão do TST:
“(…)
E assim, ilustrativamente, o adicional de periculosidade incide sobre o “salário básico”; as horas extras, sobre o “salário básico + adicional de periculosidade”; o aviso prévio, sobre o “salário básico + adicional de periculosidade + horas extras”; o FGTS, sobre o “salário básico + adicional de periculosidade + horas extras + aviso prévio”. Reflexos sucessivos, como se vê, mas aceitos sem qualquer questionamento, porquanto decorrentes da própria estrutura piramidal da composição remuneratória.
(…)” – (grifamos)
No caso objeto de julgamento, se a majoração do repouso semanal em razão das horas extras fosse utilizada de volta para o cálculo dessas mesmas horas extras, daí sim, sem dúvida, poder-se-ia falar em duplicidade.
Por outro lado, repita-se, a partir do momento que se majora o descanso semanal em razão da integração das horas extras, simplesmente aplicando o artigo 7º da Lei n. 605/1949 e a Súmula 172 do C. TST segundo a qual “computam-se no cálculo do repouso remunerado as horas extras habitualmente prestadas”, dita majoração deve sim compor a base de cálculo das demais verbas salariais, tais como férias, gratificação natalina, férias e FGTS, inexistindo qualquer duplicidade.
Basta ainda se imaginar um exemplo: um empregado que recebesse todo mês reflexos das horas extras em repousos de cerca de R$500,00; aplicando a orientação anterior à alteração, a gratificação natalina devida a este trabalhador seria, sem dúvida, de R$500,00 a menos, em violação ao artigo 1º , da Lei n. 4.090/1962, in verbis:
“Art. 1º – No mês de dezembro de cada ano, a todo empregado será paga, pelo empregador, uma gratificação salarial, independentemente da remuneração a que fizer jus.
1º – A gratificação corresponderá a 1/12 avos da
Portanto, a alteração da orientação trouxe maior coerência à estrutura piramidal da composição remuneratória, depois de longos anos de uma orientação calcada em falsas premissas.
[1] ROCESSO Nº TST-IncJulgRREmbRep-10169-57.2013.5.05.0024
[2] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 693
(Paulo Eduardo Giovannini é advogado sócio-fundador do escritório Giovannini Advogados)